quarta-feira, 1 de julho de 2020

SOBRE O “PRETO ESPECIAL”


No filme Django Livre (Quentin Tarantino, 2012) há uma cena importante que talvez nos permita refletir sobre a fritura de Decotelli no Ministério da Educação.

Após descobrir que Django (Jamie Foxx) e o Dr. King Schultz (Christoph Waltz) não estavam em Candyland para comprar a fazenda, mas para resgatar a esposa de Django, Brunhilde (Kerry Washington), o dono do lugar, "Monsieur" Calvin J. Candie (Leonardo Di Caprio) pega o crânio do Velho Ben (negro que teria servido a família por 50 anos, sem nunca se revoltar com a condição de escravo) e passa a discorrer sobre a frenologia (uma pseudociência que alegava ser possível analisar as faculdades e aptidões mentais de uma pessoa a partir da forma e das protuberâncias do crânio).

Até o momento, "Monsieur" Candie estava “impressionado” com a inteligência de Django, atribuindo-lhe a alcunha de “preto especial”. Ao se sentir enganado e humilhado por eles, Calvin resolve demonstrar, por meio da frenologia, que Django, embora “esperto”, era tão inferior aos brancos quanto o submisso Velho Ben. Candie então pega uma serra e parte o crânio, indicando três marcas na parte posterior que, segundo ele, estariam ligadas à servidão. Em seguida, olha para Django e diz que, embora ele fosse um preto “acima da média”, se partissem o seu crânio, as mesmas três marcas estariam lá. A cena e os eventos posteriores são esteticamente primorosos, vale a pena assistir.


Estou bem incomodado com a “energia” empenhada para tratar as mentiras de Decotelli. Como eu disse em outro texto, de fato, ele é um picareta. Mas não me parece proporcional o modo como ele está sendo tratado em relação aos brancos picaretas. Não digo isso apenas do governo Bolsonaro, que não se pode mesmo esperar nada civilizado, mas também de nós, progressistas.

Ao criarmos e compartilharmos diversos memes sobre a farsa de sua carreira acadêmica, não estaríamos incorporando o "Monsieur" Candie e, com a serra das redes sociais, abrindo o crânio de Decotelli e demonstrando, como frenólogos virtuais, as três marcas que, na verdade, comprovam o nosso racismo?


Samuel Carlos Melo