Em 27/06/2024, meu amigo Silvinho Coutinho foi homenageado na cerimônia de inauguração do prédio revitalizado da Estação Ferroviária de Castilho-SP.
Graças a meu amigo Márcio Antoniasi, pude enviar um texto em homenagem à memória do Silvio.
Abaixo, segue o texto lido pela Edileuza Boaventura. Muito obrigado, professora!
Nasci em Castilho, em 20 de março de 1988, mais de 50 anos após a inauguração da Estação Ferroviária. Nesse tempo, os trens ainda desembarcavam e embarcavam passageiros em nossa cidade. Meus avós, meus tios e minha mãe trafegaram naqueles trilhos. Quando tive consciência do que era a Estação, porém, as portas já estavam fechadas e o tempo corroía estruturas e lembranças.
Certa vez, por meio de meu amigo Silvio Luiz Coutinho, fui apresentado a um grupo de pessoas interessadas a pensar os problemas da cidade e do país. O local escolhido foi a velha Estação. Até a primeira reunião, eu nunca tinha estado lá dentro. Não lembro do que discutimos naquela noite, mas lembro do cheiro de madeira velha, das teias de aranha enormes, da voz das pessoas ecoando nas paredes emboloradas e de, no final, meu amigo e eu conversarmos sobre a necessidade de ocuparmos aquele local, de enchermos aquele lugar de gente, de vida.
Silvinho levou aquilo mais sério que eu. Reuniu pessoas em torno da ideia, e assim conseguimos realizar dois eventos culturais no local, com o objetivo de chamar a atenção para a importância simbólica daquele lugar para nossas histórias e a necessidade de sua revitalização. Nunca me esqueço de quando, no primeiro evento, ele e eu tocávamos algumas músicas no palco improvisado e um trem interrompeu nossa apresentação. Quase todas as pessoas presentes foram até a porta para contemplar a passagem da máquina. Talvez tenha sido nesse momento que compreendi verdadeiramente o que estávamos fazendo ali e a determinação de Silvinho. “Alumbramento”, diria o poeta Manuel Bandeira.
Foi com Silvio, então, que, efetivamente, despertei-me para o que, de fato, significa esse prédio. Ele foi construído antes da própria cidade, em um tempo em que os trabalhadores da linha férrea se protegiam dentro de uma caverna que teria existido onde hoje é a Praça da Matriz. Em uma ocasião, tivemos a oportunidade de conversar com um pioneiro que trabalhou na colocação dos dormentes da linha e na construção da Estação. Parcialmente surdo como consequência daquele trabalho, ele contou que havia muitas onças onde hoje é o centro da cidade e que, para se protegerem durante a noite, ele e seus colegas se abrigavam nessa caverna, acendendo uma fogueira na entrada.
Nunca conseguimos confirmar essa história, mas isso é irrelevante. O que importa é o relato e a imagem construída por ele. Homens, cavernas, onças... Coisas que teriam existido antes de qualquer coisa. A Estação (ou parte dela), porém, já estava lá.
Em um trem sem trilhos e Estação para desembarque, meu amigo embarcou e foi embora, cedo demais. Não consegui me despedir. Dentre outras coisas, ele levou consigo a frustração de não ter conseguido reviver esse lugar.
Queria acreditar que, com as portas da Estação agora abertas, algum trem vindo de mundos longínquos e misteriosos pudesse incluir Castilho em seu itinerário, e que meu amigo, a bordo, mesmo da janela, pudesse ver esse prédio revitalizado e sorrir. De qualquer forma, é certo que, pelo menos, o trem da memória agora tem onde parar. Reservarei minha passagem.
Samuel Carlos Melo
Professor da Universidade Estadual de Goiás