sábado, 29 de junho de 2024

SILVINHO E A ESTAÇÃO

 Em 27/06/2024, meu amigo Silvinho Coutinho  foi homenageado na cerimônia de inauguração do prédio revitalizado da Estação Ferroviária de Castilho-SP. 

Graças a meu amigo Márcio Antoniasi, pude enviar um texto em homenagem à memória do Silvio. 

Abaixo, segue o texto lido pela Edileuza Boaventura. Muito obrigado, professora! 


SILVINHO E A ESTAÇÃO







 Nasci em Castilho, em 20 de março de 1988, mais de 50 anos após a inauguração da Estação Ferroviária. Nesse tempo, os trens ainda desembarcavam e embarcavam passageiros em nossa cidade. Meus avós, meus tios e minha mãe trafegaram naqueles trilhos. Quando tive consciência do que era a Estação, porém, as portas já estavam fechadas e o tempo corroía estruturas e lembranças. 

 Certa vez, por meio de meu amigo Silvio Luiz Coutinho, fui apresentado a um grupo de pessoas interessadas a pensar os problemas da cidade e do país. O local escolhido foi a velha Estação. Até a primeira reunião, eu nunca tinha estado lá dentro. Não lembro do que discutimos naquela noite, mas lembro do cheiro de madeira velha, das teias de aranha enormes, da voz das pessoas ecoando nas paredes emboloradas e de, no final, meu amigo e eu conversarmos sobre a necessidade de ocuparmos aquele local, de enchermos aquele lugar de gente, de vida. 

 Silvinho levou aquilo mais sério que eu. Reuniu pessoas em torno da ideia, e assim conseguimos realizar dois eventos culturais no local, com o objetivo de chamar a atenção para a importância simbólica daquele lugar para nossas histórias e a necessidade de sua revitalização. Nunca me esqueço de quando, no primeiro evento, ele e eu tocávamos algumas músicas no palco improvisado e um trem interrompeu nossa apresentação. Quase todas as pessoas presentes foram até a porta para contemplar a passagem da máquina. Talvez tenha sido nesse momento que compreendi verdadeiramente o que estávamos fazendo ali e a determinação de Silvinho. “Alumbramento”, diria o poeta Manuel Bandeira. 

 Foi com Silvio, então, que, efetivamente, despertei-me para o que, de fato, significa esse prédio. Ele foi construído antes da própria cidade, em um tempo em que os trabalhadores da linha férrea se protegiam dentro de uma caverna que teria existido onde hoje é a Praça da Matriz. Em uma ocasião, tivemos a oportunidade de conversar com um pioneiro que trabalhou na colocação dos dormentes da linha e na construção da Estação. Parcialmente surdo como consequência daquele trabalho, ele contou que havia muitas onças onde hoje é o centro da cidade e que, para se protegerem durante a noite, ele e seus colegas se abrigavam nessa caverna, acendendo uma fogueira na entrada.

 Nunca conseguimos confirmar essa história, mas isso é irrelevante. O que importa é o relato e a imagem construída por ele. Homens, cavernas, onças... Coisas que teriam existido antes de qualquer coisa. A Estação (ou parte dela), porém, já estava lá. 

 Em um trem sem trilhos e Estação para desembarque, meu amigo embarcou e foi embora, cedo demais. Não consegui me despedir. Dentre outras coisas, ele levou consigo a frustração de não ter conseguido reviver esse lugar.  

 Queria acreditar que, com as portas da Estação agora abertas, algum trem vindo de mundos longínquos e misteriosos pudesse incluir Castilho em seu itinerário, e que meu amigo, a bordo, mesmo da janela, pudesse ver esse prédio revitalizado e sorrir. De qualquer forma, é certo que, pelo menos, o trem da memória agora tem onde parar. Reservarei minha passagem.


Samuel Carlos Melo

Professor da Universidade Estadual de Goiás

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Bruxa

Na clara luz da manhã

Um galo denuncia o dia.

No ninho, passarinho

Intoxica alegria.


Eu não quero acordar

Eu não consigo dormir


Mariposa entre os lençóis

Entre os dentes, o mundo.


S.C.M.

sábado, 12 de junho de 2021

AMOR

Algo aconteceu.
Trepidação
Meu coração
na sua cama.
Sangue.

quarta-feira, 9 de junho de 2021

CAJUÍNA

Despiu-se na sala.

Cada peça, um passo

Um passe, um dano:

Da árvore da vida

Um caju eu colhi.


Chupei, comi

Fruto que não cai

Longe do pé:

Coxa e virilha

Corpo caminho.


Eu bebi teu rastro

Âmbar-amarelo.

Açúcar escorrendo

Pelas pernas:

Caramelo.


Despediu-se com a boca.

Luzes nos lábios

Cristais de Teresina

Uma cidade no quarto:

Cajuína.

segunda-feira, 7 de junho de 2021

AGLOMERAÇÃO ( OU SAÚDE MENTAL)


Jurerê internacional
Maresias
Pipa
Ipanema
#praiana
Bronzeado e surubão em Noronha


3 séries de agachamento
Legpress
Supino
Crossfit
#tapago
Selfie no espelho do bumbum durinho empinado


Balada sertaneja
Jorge & Mateus
Henrique & Juliano
Simone & Simária
#sextou
Long neck colada no peito


Baixa oxigenação
Intubação orotraqueal
ECMO pra você
Cloroquina pro garçom


Há humor?


6/04/2021

quinta-feira, 3 de junho de 2021

PARÚSIA

Veio de bike

Vacinar.


PFF2, carteirinha do SUS.

Fã do Átila, Butantã,

Pasternak, Fiocruz.


Lâmpada na cara,

Tiro no olho:

"Viado!"


"Comunista tem que morrer!"

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Tafofobia


In the deepest sleep - no! In delirium - no! In a faint - no! In death - no! even in the grave, all is not lost.

Edgar Allan Poe

 

Prólogo

 

Disse-me Egeu sobre Berenice:

diversa é a desgraça!

Como um arco-íris,

vários são os matizes

das infelizes formas.

 

I

 

Sentado sobre o túmulo

que não era o seu

eu te vi

no pallor mortis

das flores

que te soterravam.

 

Teu medo era acordar

e não dormir.

 

II

 

Mirando a criança

ainda te vejo.

Cheiro de leite e

crisântemo.

 

Foste amante de Eva

ou de Lilith?

 

III

 

Foste fiel no pouco

que ela permitia.

No pedaço do corpo

que ela te servia.

 

Na mesa da ceia

água, vinagre e vinho

todavia

o teu corpo não cabia.

 

IV

 

O amor nos despedaçará

foi um aviso do rádio.

Você dançou.

 

V

 

Desço do túmulo

estranho

vejo que a terra se move

sobre ti.

 

Percebo uma fresta e

dedos apressados

por dentro

ansiosos

por fechá-la.

 

Você foi enterrado vivo.